sábado, 7 de maio de 2022

My heavy heart

 

My heavy heart

A canção do Coldplay toca no rádio do carro. Your heavy heart é feito de pedra. Você não precisa ser sozinha....voltando das compras, na entrada do supermercado, havia um quiosque de venda de flores. Pequenos punhados de flores enroladas em um papel seda – como nas comédias românticas – e, ao olhá-las, senti-me profundamente solitária. Queria receber flores de alguém que chega e fica feliz ao me encontrar. Sim, minha filha fica feliz ao me encontrar, todas as vezes. Mas, queria sentir o quente de um abraço adulto de desejo, o beijo depois da saudade e espera. Queria encaixar meu queixo na curva do ombro de alguém e sentir-me segura.

Sim, não preciso.

Mas há em mim uma urgência em vivenciar um amor que não virá, eu sei. Sentir o sol quente deitada em um gramado, num sábado comum, falar sobre árvores balançando. Nada sobre projetos, publicações, bolsas para pesquisa. Queria a ilusão de me sentir única, amada e especial. Your heavy heart... ecoa em meus ouvidos e desejo um punhado de flores para acalmar a falta que sempre cortou minha palavra. Essa vontade de ser outra, de ser em outro lugar, de ser amada.

Quem inventou o amor? Me explica por favor.

Assim, faço arremedo e volto para mim mesma.

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

no te vayas

A  palavra me veio tarde. É o poema do Benedetti. A metáfora dos barcos, a súplica ali contida. Quis teu regresso. Que deixasse as roupas em casa, que teus olhos de lua encontrassem os meus pela manhã. Todas elas. "Pero vos por favor no te vayas". E os versos riscavam minha noite vazia. As palavras que cabem em mim, mas não me habitam mais. Como pedir para não ir aquele que nunca ficou? O desastre do desamor alinhado num escrito de tão pouco. Tudo caberia na vida se você tivesse ficado. Segurado minha mão com apreço, sem arrogância. Olhando-me como quem eu era. Você me via? Via a minha dor? Ocupou-se dela por preocupação ou culpa? Justificou-se lamuriando para si coisas ditas para que servissem como certas para você? Disse para si mesmo que não enganaste ninguém? Que todos souberam de tudo e tudo estava às claras? Por favor. No te vayas. Viste em meu olhos esse pedido todas as vezes. Viste. Leste e ainda partiu. Todas as vezes. Me tiraste as palavras e a crença do amor como uma baía linda e generosa. Eu sei, não voltarás, mas por favor, não vá. 

sábado, 18 de janeiro de 2020

Desenhei miragem tolas

As palavras são de uma canção do Skank. As músicas da banda narraram acontecimentos durante toda a minha vida, em especial, a amorosa. E, no final do ano passado, o vocalista concedeu uma entrevista e disse: é o fim. Na correria, não tive tempo de pensar o que realmente aquilo significava, mas ao ouvir Fotos na Estante, enquanto procurava um livro na pequena livraria no centro de Santa Maria, pensei que a metáfora do fim também cabia a mim. Sem novas canções, o  amor (ou a ilusão que tenho sobre...) ficara atrelado ao um punhado de versos antigos e gastos na boca. Não haverá para ele nenhuma letra nova que o faça renascer e me faça identificar: "nossa, é isso que eu sinto. Sem o Skank tudo o que eu sentia e se encaixava - de quando em quando - naquela batidinha romântica, ou ainda, as definições que me foram dadas ("pois amores imperfeitos são as flores da estação") ficarão no passado que, por vez ou outra, será recuperado em alguma festa, encontro com os amigos, melhores canções dos anos tal. E só. Fiquei, então, aliviada.
Sempre achei os versos  "desenhei miragens tolas nas margens do seu deserto/e uma verdade impossível só pra ter você por perto" algo que representava o modo como amorosamente crio as versões de algumas pessoas em minha vida. Sempre achei que o Skank continuaria a cantar canções que continuariam a representar o caminho de  meus amores. Mas o Skank acabou e passado o atordoamento, fiquei feliz, pois as coisas inventadas, desenhadas, impossíveis, podem - assim como as músicas da banda - ficar no passado e aparecerem (melhor seria se não) só de quando em quando. Agora começo uma nova trilha sonora. Sem "memórias irreais do que nunca aconteceu."

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Da irmandade

Fui criada muito no interior e lá, mesmo a contragosto - em muitos casos - éramos pessoas coletivas. Eram tias, primas, vizinhas, amigas da escola. Uma rede de proteção e, mesmo que não tivéssemos direto à privacidade, pois éramos vigiadas, aconselhadas, vestidas e cuidadas por um todas, não nos importávamos verdadeiramente. Para mim, as tardes nas cadas das tias, avós, vizinhas..., tinham um efeito reconfortante. Relações majoritariamente femininas, por isso lembro-me de que ficavam em casa as crianças da minha vizinha quando ela ia para algum lugar, por isso nós ficávamos na casa dela quando a mãe saia. Era uma sororidade brusca, mas, ainda assim, nos fazia (a mim pelo menos) ter a impressão de pertença. E eu sempre precisei pertencer.
Tudo isso para falar da Silvana.
Pois bem, Silvana não foi minha vizinha. Moramos perto por algum tempo, ela casa do fundo do portão azul, eu, com a minha mãe e meu irmão. Conto da Silvana, pois pedi outro dia umas receitas culinárias e ela me mandou com uma observação de que as trocas de receitas indicavam, ao menos, um tempo mais tranquilo para nós duas. Dois, três anos atrás, estávamos as duas afundadas em complicações vindas do trabalho, da vida acadêmica, da maternidade...
Então pensei em responder dizendo que sempre houve tranquilidade quando conversava com ela. E quis dizer que em momentos muito difíceis, apenas o fato de tê-la por perto, me trazia um alívio igual aquele que encontramos quando sabemos que vamos deixar nossos filhos com alguém de confiança. Pois bem, Silvana sempre foi de confiança. Muito mais ela comigo do que eu com ela. Sempre que sentava no sofá da casa dela e narrava meu sem fim de aflições sabia que ela não me julgaria, não ficaria me dando conselho bobo, me ouviria e certamente ficaria do meu lado e terminaríamos a conversa com um bom café. E era isso que eu precisava. Ter esse sentimento de pertencer a algum lugar, porque sempre tive a impressão de ser tão deslocada, mas com a Sil tudo parecia certo. Talvez tenhamos chegado à maturidade, são quase 20 anos juntas

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Dos defeitos

(...) Arre, estou farto de semideuses! (Poema em linha reta, FP)

Gosto de gente com defeitos. Aquelas estranhezas que todos temos guardadas, mas em alguns elas parecem de forma abrupta. Gosto de gente que sai de casa de manhã desalinhado, que esquece coisas, que perde documentos importantes. Gosto, pois eu mesma sou atrapalhada e cheia de defeitos. E o tempo que eu passo tentando escondê-los me é muito custoso. Então, gosto de ver que as pessoas que me cercam, os sujeitos que amo, são, assim como eu, imperfeitos. Gauche. Esse é o adjetivo que tomo de Drummond. Gauche é ser fora do traço das estatísticas, demorar-se em decidir e, invariavelmente, escolher errado.

domingo, 29 de outubro de 2017

Sol de Santa Maria

Sou das andanças. Deve ser o sangue cigano de minha avó paterna. Há em minhas memórias: rios,  figueiras, parreirais, grandes campos verdes dobrados com os ventos, sangas, minas d'água, avencas e sol. E em Santa Maria o sol é, por força de classificação, difuso. Há uma intensidade desdobrada nos morros que cercam a cidade, criando uma espécie de caleidoscópio de pequenos raios que rebrilham por entre as árvores. E criam uma imagem para a nostalgia, para a saudade. E no silêncio de minha casa vazia o sol ia preenchendo esses lugares que não fazem sentidos por dizeres.  Minha casa. Que pronome inadequado. Quem é de andanças já não tem pronomes possessivos em narrativas de passagens aqui e acolá. Há, de certo, o contrário: despertencimento. E era esse sentimento que os raios do sol de Santa Maria curavam. Do mirante de Silveira Martins até os prados de Arroio Grande, com o vento quente de dezembro ou o sul de inverno, havia uma permanência: aquele jeito peculiar que o sol descia pelas pastagens e alagados. Não é da ordem do repetível. Só lá eu via aquele sol. O sol de Santa Maria.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Da passagem do tempo aos cinco anos


Fomos ao parquinho de uma cidade vizinha de Santa Maria. Caminho lindo de interior: vinhedos, gado, morros. Dois ou três meses que não percorríamos essa estrada e Cecília:

- Ai mamãe que saudades dos velhos tempos de Silveira Martins.

My heavy heart

  My heavy heart A canção do Coldplay toca no rádio do carro. Your heavy heart é feito de pedra. Você não precisa ser sozinha....voltando ...