segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Dos parreirais

Na casa de minhas duas avós existiam parreiras de uva. Aquelas pequenas que são boas quando estão quase madurando e quando estão maduras. Então, o Natal e o Ano Novo eram sempre cheios de uvas. O Natal passávamos na casa da vó Leonilda que - por causa da dificuldade fonética em pronunciar -  era sempre chamada de Donirda. E a casa da vó era uma espécie de chácara. Mesmo morando por muito tempo do lado da casa dela, não me cansava de passar as tardes lá: cada canto era uma brincadeira. Havia o cafezal  bem no comecinho do terreno, acho que eram uns cinco ou seis pés de café que ela e o vô trouxeram do sítio para matar a saudade de vez em quando, havia a horta, as mexeriqueiras - eram cinco no total - sendo que a primeira tinha as mexericas mais doces. Havia também, junto ao portão, dois pés de peras, duas mangueiras -  que davam poucas mangas, mas excelentes casas, esconderijos secretos, naves espaciais -  e as flores, muitas. Roseiras, margaridas, beijinhos, folhagens de todos os tipos, samambaias e tantas outras que não me recordo mais, a maioria trazida como muda do cemitério e plantadas em latas de tinta. Se fechar meus olhos por um instante, lembro-me inclusive o lugar em que elas ficavam. Eu amava aquela casa. Tanto que quando o vô morreu, dormi vários dias com a vó, quis morar com ela, por ela, mas também pela casa. E as uvas entram aqui. Nos reuníamos na área, para parecer mais literário, na varanda e lá passávamos o dia de Natal. Macarronada, carne assada, maionese, salada de tomate. Sagu, geleia de vinho, de leite e pudim. Depois disso, as uvas. Era o único dia em que a vó nos deixava colher sozinhos as uvas. Sem ralhar de longe. Dizia apenas para não pegarmos as verdes, mas pegávamos mesmo assim. Isso já era quase no fim do dia. Então, sujos e cansados, manchados de uvas, com ameças das mães pelas roupas novas quase imprestáveis de tantas aventuras, íamos para a casa e aguardávamos o Ano Novo.
O Ano Novo era na vó Dolores. Casa pequena e o quintal em que haviam apenas dois estreitos e compridos jardins na lateral. O grande acontecimento da casa era o quarto da vó. Ela, fugida da guerra, tinha esses hábitos de escuros, de esconderijos. E o quarto dela era nosso objetivo do dia, íamos aos poucos e logo estávamos lá a perturbar o repouso eternos daquelas coisas tão antigas. A tia Isa vinha nos enxotar debaixo de broncas. Nos perdíamos pelo quintal em gritarias...E na vó Dolores, a parreira de uva era uma espécie de prolongamento da cozinha. Ela nos trazia em bacias de alumínio. Depois íamos, por conta própria, pegar mais. Na família de meu pai, filho da Dona Dolores, como ele a chamava, os tios falavam alto, riam e caçoavam da gente. Por muito tempo achei aquilo um incomodo, mas vai chegando essa época do ano, sinto saudade, todos nós sentimos saudades dessas pequenas histórias, desse lugar onírico que é a infância. Eu sinto. Especialmente do cheiro das minhas avós. Da cozinha da vó Donirda, daquele ruído todo dessa poesia fragmentada que existia nas festas de fim de ano e que ainda desconhecíamos o nome. Se ganhávamos presentes não recordo, talvez sim, uma roupa ou outra coisa necessária. Mas, para mim, que sempre fui apegada às pessoas, aos lugares, aos cheiros, já havia bastante presente nisso tudo.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Camaradas

Estou em um grupo que discute Marx. Nos conhecemos e nos juntamos pelos ardis da vida, da história e - de algum modo - da militância. Como estamos todxs no meio de muito trabalho, quase não nos falamos mais. Eu por causa da escrita da tese, inclusive, deixei de lado as redes sociais. Eis que porém, por causa de uma mensagem de uma colega que está em Paris, entrei no Face e vi que o nosso grupo marxista estava com mensagens não lida. Todas de saudades. Como sou a mais nova no grupo me senti muito, mas muito confortada, pois sempre senti uma inadequação no mundo virtual. Já saí várias vezes do Facebook, por exemplo, não me enquadro. Eu sou antiga, pensei, diante da velocidade imposta pelas amizades das redes sociais. Nasci em Luiziana e lá tinha, no meu tempo de meninice, uma coisa de lugar perdido. Não íamos nem nas vizinhanças - nossas mães não deixavam - no domingo talvez. Por isso, sempre que nos reuníamos era em frente de casa, tios, primos, primas , amigos, amigas. Não havia muito o quer ser feito, então, conversávamos. Todos sabiam de tudo e, apesar de não haver para aquele tempo, máquinas fotográficas, lembro-me dos detalhes das pessoas. Do jeito que elas riam e gesticulavam ao falar. Também não havia meios de ser ignorada, não havia mal entendido que durasse muito, pois, sentávamos juntos, todos se viam, ouviam, observavam um levantar de sobrancelhas, um olhar enviesado, um tom mais áspero na voz. Essas variações davam poesia à amizade. Você olhava e via e reparava as pessoas. Você as respondia, prestava atenção e havia nisso um conforto. Aí vi mensagem do meu camarada do grupo de Marx: dizendo qualquer coisa sobre o mundo virtual não ser humano. E pensei: ele é antigo também, as outras camaradas também responderam de similar forma e pensei de novo: também antigas, também com aquela vontade de reunir-se para falar de Marx, de música, de poesia, rir, olhar nos olhos, escutar a voz e saber a pessoa por dentro, não pelas palavras que ela digita. Senti vontade de chorar, não de tristeza, mas por achar no mundo gente é poesia ainda, que sabe o valor da camaradagem, talvez tenha eu tenha sentido conforto para poder ir bem devagar.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Os sonetos de amor de Neruda

II
Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,
que solidão errante até tua companhia!
Seguem os trens sozinhos rodando com a chuva.
Em Taltal não amanhece ainda a primavera.

Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,
juntos desde a roupa às raízes,
juntos de outono, de água, de quadris,
até ser só tu, só eu juntos.

Pensa que custou tantas pedras que leva o rio,
a desembocadura da água de Boroa,
pensar que separados por trens e nações

Tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos,
como todos confundidos, como homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa os cravos.
Cem sonetos de amor, Porto Alegre, L&PM:1999.


Porque encontrar um livro de poesia, de contos, no meio de tantas teorias é uma espécie de domingo da vida....

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Achando os guardados

Eu escrevo há tempos.E, de quando em quando, encontro (quase sempre entre uma mudança e outra) esses escritos; uns publicáveis, outros nem com muita boa vontade....Esse que vai aqui achei publicável (mas pode, também, ter sido excesso de boa vontade...)

Desilusão

Aquilo que de minha saudade restou:
papeis avulsos, recados amarelados,
três dias de solidão, uma noite de prantos,
mãos cansadas de procurar palavras em folhas velhas;
Olhos úmidos
Roupas com cheiros que se quer esquecer
tarde sem música e uma rua para se desviar.

My heavy heart

  My heavy heart A canção do Coldplay toca no rádio do carro. Your heavy heart é feito de pedra. Você não precisa ser sozinha....voltando ...