sábado, 20 de junho de 2015

E também naqueles dias

Quem leu Saramago sabe que a mágica das palavras não está (aliás, nunca esteve – embora esperneiem os estruturalistas e formalistas por causa disso) na construção do texto. Está na ponte que ele nos lança e faz com que lancemos para um lugar dentro de nós. A nossa memória é ardilosa e a seleção do que é guardado é um tecido de incoerência e contradição, mas, ah, quanta poesia cabe nesses filminhos que montamos sobre nossa existência. E o Saramago faz isso com as palavras. Ele une as palavras aos nossos filmes de vida. Pois bem, eu li a Bagagem do Viajante ainda na graduação. Penso inclusive ter feito algum trabalho de alguma disciplina com a crônica do Crime da Pistola. Mas, o que melhor define esse livro é o texto E também naqueles dias. Quanta coisa minha coube nessa crônica! Quantas sensações de outros tempos, do sítio, das coisas da roça. Perdoe-se a quem nasceu no campo, e dele foi levado cedo, esta insistente chamada que vem de longe e traz no seu silencioso apelo uma aura, uma coroa de sons, de luzes, de cheiros miraculosamente conservados intactos. O mito do paraíso perdido é o da infância - não há outro. O mais são realidades a conquistar, sonhadas no presente, guardadas no futuro inalcançável. E sem elas não sei o que faríamos hoje. Eu não o sei

Uma identificação imediata com o menino. A gente cresce e vira viajante e sai pelo mundo em andanças e ciganias. E coisas vão deixando de caber nas nossas mudanças. Há saudades e a saudade é justamente esse lugar no mundo que nos faz pertencer a uma memória, aos sujeitos das nossas memórias, a querer, poeticamente, nossos lugares e nossas pessoas mais perto. E as distâncias que tanto nos incomodam, acabam quase sempre num abraço. Não há para isso ainda tecnologia. Para a poesia do reencontro: com os outros e com as nossas realidades a conquistar.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Do fim para o começo


Escolhi escrever um blog. Faz tempo isso, mas, concretamente, agora tornou-se real. Ainda é tudo muito recente e ainda soa esquisito ver meu texto ali – como se fosse outra de mim, uma estrangeira usando minhas palavras. E escrever o blog é  mesmo para me acostumar com o mundo fora da gaveta É pela necessidade de libertar-me de tantas palavras que habitam minha existência. Apenas.
O nome do blog é um atravessamento de leitura feita do poema Hermano dame tu mano de Jorge Sosa e Damián Sánchez e está numa agenda do MST que ganhei em 2010 lá em Querência do Norte. A palavra também é terra e a terra também é um lugar de brotar palavras.

Hermano dame tu mano
Vamos juntos a buscar
Uma casa pequenita
Que se llama libertad.
Esta es la hora primeira
Este es el justo lugar
Abre la puerta que afuera
La tiera no aguanta más.

Mira adelante Hermano
Es tu tierra la que espera
Sin distancias, ni fronteras
Que pongas alta la mano.
Esta tierra es la que espera
Que el clamor americano
Le baje pronto la mano
Al señor de las cadenas...



domingo, 7 de junho de 2015

Das tardes de domingo

Das tardes de domingo


Antes – da pressa, dos prazos, da internet, da correria – os domingos eram o dia da preguiça. Acordava tarde, ajudava aqui e ali em casa, via a vida no quintal, voltava para preguiçar mais um pouco: arrumar uma bagunça no quarto, nada que exigisse grande esforço. Almoço, um pouco mais de preguiça, talvez um cochilo, ler alguma para a segunda e ir ao encontro. O complemento do verbo é sempre fundamental, pois nos anos que seguiram minha mudança para Campo Mourão, não faltaram  grandes camaradas: íamos ao parque do Lago quando ainda havia lá lanchonete e shows no fim da tarde. Quase sempre MBP. Foi ali que ouvi pela primeira vez Jardim da Fantasia: “Bem-te-vi, bem-te-vi e andava num jardim em flor....” do Paulinho Pedra Azul. A vida acontecia de outro modo, muito do que aprendi sobre militância, poesia e boa música está relacionado a esse período. Outro dia visitei o Parque do Lago e todo aquele espaço disponível e pouco utilizado é um desalento... E me lembrei disso hoje, pois a Cecília acordou cedo e feliz da vida por ser domingo. Ah o tempo que não quer ir mais devagar! Essa correria que faz com estejamos sempre a nos deparar com a saudade de um tempo ido e deseja-lo de volta. Ainda bem que as crianças estão aí a espalhar sabedoria, correria e bolhas de sabão nos domingos, colorindo tudo, nos mostrando que a saudade é sempre um lugar de sorrisos, de melodias conhecidas, de cheiros de gente amada, mas que o real é o lugar da poesia. Encontrar o domingo da vida é encontrar a história e nela tecer outros caminhos....

My heavy heart

  My heavy heart A canção do Coldplay toca no rádio do carro. Your heavy heart é feito de pedra. Você não precisa ser sozinha....voltando ...