Na casa de minhas duas avós existiam parreiras de uva. Aquelas pequenas que são boas quando estão quase madurando e quando estão maduras. Então, o Natal e o Ano Novo eram sempre cheios de uvas. O Natal passávamos na casa da vó Leonilda que - por causa da dificuldade fonética em pronunciar - era sempre chamada de Donirda. E a casa da vó era uma espécie de chácara. Mesmo morando por muito tempo do lado da casa dela, não me cansava de passar as tardes lá: cada canto era uma brincadeira. Havia o cafezal bem no comecinho do terreno, acho que eram uns cinco ou seis pés de café que ela e o vô trouxeram do sítio para matar a saudade de vez em quando, havia a horta, as mexeriqueiras - eram cinco no total - sendo que a primeira tinha as mexericas mais doces. Havia também, junto ao portão, dois pés de peras, duas mangueiras - que davam poucas mangas, mas excelentes casas, esconderijos secretos, naves espaciais - e as flores, muitas. Roseiras, margaridas, beijinhos, folhagens de todos os tipos, samambaias e tantas outras que não me recordo mais, a maioria trazida como muda do cemitério e plantadas em latas de tinta. Se fechar meus olhos por um instante, lembro-me inclusive o lugar em que elas ficavam. Eu amava aquela casa. Tanto que quando o vô morreu, dormi vários dias com a vó, quis morar com ela, por ela, mas também pela casa. E as uvas entram aqui. Nos reuníamos na área, para parecer mais literário, na varanda e lá passávamos o dia de Natal. Macarronada, carne assada, maionese, salada de tomate. Sagu, geleia de vinho, de leite e pudim. Depois disso, as uvas. Era o único dia em que a vó nos deixava colher sozinhos as uvas. Sem ralhar de longe. Dizia apenas para não pegarmos as verdes, mas pegávamos mesmo assim. Isso já era quase no fim do dia. Então, sujos e cansados, manchados de uvas, com ameças das mães pelas roupas novas quase imprestáveis de tantas aventuras, íamos para a casa e aguardávamos o Ano Novo.
O Ano Novo era na vó Dolores. Casa pequena e o quintal em que haviam apenas dois estreitos e compridos jardins na lateral. O grande acontecimento da casa era o quarto da vó. Ela, fugida da guerra, tinha esses hábitos de escuros, de esconderijos. E o quarto dela era nosso objetivo do dia, íamos aos poucos e logo estávamos lá a perturbar o repouso eternos daquelas coisas tão antigas. A tia Isa vinha nos enxotar debaixo de broncas. Nos perdíamos pelo quintal em gritarias...E na vó Dolores, a parreira de uva era uma espécie de prolongamento da cozinha. Ela nos trazia em bacias de alumínio. Depois íamos, por conta própria, pegar mais. Na família de meu pai, filho da Dona Dolores, como ele a chamava, os tios falavam alto, riam e caçoavam da gente. Por muito tempo achei aquilo um incomodo, mas vai chegando essa época do ano, sinto saudade, todos nós sentimos saudades dessas pequenas histórias, desse lugar onírico que é a infância. Eu sinto. Especialmente do cheiro das minhas avós. Da cozinha da vó Donirda, daquele ruído todo dessa poesia fragmentada que existia nas festas de fim de ano e que ainda desconhecíamos o nome. Se ganhávamos presentes não recordo, talvez sim, uma roupa ou outra coisa necessária. Mas, para mim, que sempre fui apegada às pessoas, aos lugares, aos cheiros, já havia bastante presente nisso tudo.
segunda-feira, 30 de novembro de 2015
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