Quem não conhece o poema Desejo a você, do Drummond, deveria
começar a procurar. Hoje, uma sequência de eventos me trouxe a lembrança desse
poema. Desejo a você fruto do mato/ Cheiro de jardim....e os versos finais:
Bolero de Ravel e muito carinho meu. Eu tenho um disco com o Bolero de Ravel e
lembro-me que, no tempo em que morava sozinha, colocava o disco enquanto me
arrumava para sair, dançava enquanto me vestia, flutuava e inventava passos, como se bailarina fosse.
Não sei. A saudade me constitui. Os encontros com pequenas coisas que me foram
tão fundamentais abalam poeticamente o meu dia. Queria passar reto, não ter
ilusões e nem suspiros para esses momentos, mas sou etérea e desfolho minha
manhã nos guardados da vida. Não é tristeza, veja bem. É apenas a melancolia
necessária para um poema, um verso. Logo o barulho do presente, do agora ocupa
a casa novamente. Vou guardar o poema, o disco e seguir a tarde.
terça-feira, 29 de setembro de 2015
domingo, 20 de setembro de 2015
Se eu coubesse em palavras, quantas seriam necessárias?
Essa mania inventiva de escrever o sentido do mundo. Eu
queria mesmo era sentir o mundo sem palavras. Poesia, às vezes, é
arrependimento, sentimento atrasado por alguma coisa que do passado fugiu: para
isso os versos servem. Para que não guardemos em nossas mãos, em nossa alma, o sentimento não vivido. De minha parte tenho feito isso: empregado nas palavras o mundo
que não coube na vida. Sim, elas não alcançam tudo, como o Mia Couto eu sei,
mas há outra cousa a ser feita?
quinta-feira, 17 de setembro de 2015
Jardinagem
Terra, flores, grama. Domingo amarelado, vento nas janelas, tarde amontada na varanda. Quando pequena a mãe nos obrigava a lidar no jardim "para limpar o mato" dizia ela. Crescida e uma parte da vida em apartamentos, tiro, agora, o mato da grama com satisfação. Há quem encontre poesia na jardinagem... eu encontro silêncios e me basta: nada de contemplação, de reflexões filosóficas: apenas limpar a grama do mato. Poderia dizer que fujo. Poderia dizer que o esvaziamento é um lugar para esconder.
sexta-feira, 4 de setembro de 2015
Sobre o menino na praia
Eu vi a imagem do menininho
deitado na areia. De sapatinhos ainda. Quanta dureza cabia naquela foto. Ali o
pequeno, sem mãe para protegê-lo e segurar sua mãozinha, sem beijo para curar o
dodói. Da coisas mais terríveis que podem ser feitas, agredir crianças é sem
dúvida a maior delas pois, diferente de nós, as crianças não têm nenhum preparo
para a imensa dor, para a tristeza, porque não desconfiam. A foto me lembrou
outras tantas: das crianças morrendo de fome na África, das crianças morrendo
de fome no Brasil. Num mundo onde tantas crianças morrem de forma surreal, algo
vai muito mal. Eu chorei vendo o policial com o pequeno no colo. Chorei, pois quando nossos filhos/as ficam doentes o
que queremos é apenas apertá-los bem forte para o amor que sentimos seja
possível fazer com eles melhorem. E o menininho foi amparado por um estranho
que, constrangido pela situação, o pegou. Sem amor, assim. Passei o dia
tentando remediar a mim mesma por tal sentimento de impotência. Como eu poderia
ajudar? Todos podemos. Consumindo de forma mais consciente. Preservando os
recursos, cuidando uns dos outros, evitando que o lucro e o parecer ser nos
defina. Lutando por um mundo mais igualitário, criando nossos filhos para
continuar a luta. Não se calar diante das atrocidades cotidianas, das ofensas
aos que nada têm, parando de admirar gente que é uma casca e só, parando de
acreditar que vivemos em tempos líquidos. Não vivemos. E a morte de Aylan nos
mostra isso. É preciso lutar contra a temeridade de sermos governados por
senhores da guerra que esfacelam o tempo e as nossas vidas para continuar
lucrando. Que escolhem quem irão proteger, sempre pensando em como lucrar com
as tragédias – seja com armas, com comida, com asilo. A farsa da ajuda, do
acolhimento, quando na verdade eles mesmos provocaram tamanha desgraça.
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